sexta-feira, 4 de junho de 2010

Processo de Criação Saga #01 - A SAGA NO SERTÃO DA FARINHA PODRE


Nosso novo processo de criação intitulado ‘A saga no sertão da farinha podre’ surge como reflexo da trajetória artística do grupo e sua prática criativa acerca dos Viewpoints. No entanto, a diferenciação está no contexto da criação, saindo do espaço convencional para a rua experienciando no espaço urbano, os princípios presentes nos trabalhos anteriores – os espetáculos “Canoeiros da Alma” e “Elas num Tempo Irrompido” e as performances “Das Cadeiras” e “Corpos que Ficam”. O foco do espetáculo está na relação entre a ordem social vigente e aqueles que estão à margem dessa ordem, abordando a visão que os ditos “marginalizados” têm da cidade.


A produção teatral na cidade de Uberlândia está cada vez mais forte, porém o teatro de rua não é uma prática comum. Entretanto, os espaços urbanos vêm sendo ocupados por grupos de áreas artísticas da dança e das artes performáticas. Nessa perspectiva compreende-se a necessidade de se estabelecer na cidade uma prática de teatro de rua que fundamente sua importância no contexto político, social e cultural.

O acontecimento teatral na rua propicia um contato direto e imediato da população com a obra artística, atingindo pessoas que comumente não teriam contato com o teatro, viabilizando, assim, a formação de público. Além disso, a linguagem do teatro de rua possibilita o deslocamento do espetáculo por diferentes espaços da cidade, alcançando assim, as regiões centrais e periféricas, devido à sua característica inerente de ocupação do espaço urbano.

A própria inserção do espetáculo no ambiente urbano gera uma transformação da percepção das pessoas em relação à organização e funcionalidade da cidade. Além disso, o tema a ser tratado no espetáculo propõe uma reflexão do público acerca da própria estrutura urbana e da relação dos indivíduos com esse espaço. A cidade será abordada pela visão dos ditos “marginalizados” em detrimento daqueles que representam a “ordem” e os “bons costumes”.

Sobre o Processo:

Proposta temática

Nosso espetáculo busca percorrer uma reflexão sobre as cidades e a relação das pessoas para com ela. Pela voz daqueles ditos “os marginalizados” evocamos suas almas permitindo um último lamento, ou rebelião, daqueles que por tanto tempo mantiveram-se calados.

O nome, “A Saga no Sertão da Farinha Podre”, faz referência direta a nossa terra – Uberlândia se localiza numa região do Triângulo Mineiro, que antigamente era conhecida como o sertão (ou Arraial) da farinha podre. Buscamos assim desenterrar esse antigo sertão ainda incrustado (e podre?) e, como artistas dessa terra, o que mais de escondido, morto, ou marginalizado possamos desenterrar nesse novo e moderno sertão chamado Uberlândia;

Proposta dramatúrgica

Luiz Carlos Leite, dramaturgo do Coletivo Teatro da Margem (CTM), trouxe amplas propostas para iniciarmos colaborativamente nossa construção dramatúrgica – a República de Platão, Antígona de Sófocles, e Nossa Cidade de Thornton Wilder foram textos que dialogaram fortemente com nosso tema.

A idéia de desenterrar essas figuras que se esgueiram pela margem da sociedade (mendigos, prostitutas, travestis, profetas de rua, loucos, deficientes) surgiu em relação à obra Antígona, reelaborando a relação de ordem e poder existente no texto. A cena inicial do espetáculo apresentará uma companhia de atores de rua representando a cena em que Antígona enfrenta o déspota Creonte a fim de enterrar o corpo de seu irmão Polinices. Em meio à atuação surge Platão que, defendendo seus conceitos explícitos em A República, intervém banindo os artistas da polis. Então o espetáculo caminha para o inverso de Antígona, os atores expulsos de sua terra, começam a desenterrar pelo caminho as figuras de suas memórias e aqueles que como eles também foram banidos, esquecidos e mortos em nome da boa ordem.

Levantamento de material

Para iniciarmos o processo de construção do espetáculo vários materiais que dialogam diretamente com o tema foram levantados, tais como, o código de postura da cidade de Uberabinha (antigo nome de Uberlândia, no inicio do século XX), pesquisa em jornais e revistas antigos no arquivo público de Uberlândia, álbum de figurinhas sobre a cidade de Uberlândia elaborado por Jorge Thomas, entrevistas com pessoas idosas falando sobre a cidade do passado, a cidade do presente e suas transformações.

Trabalho de sala

A prática de trabalho do CTM para a criação do espetáculo se baseia atualmente no treinamento a partir do método Suzuki, improvisações a partir do trabalho com os Viewpoints, e workshops a partir de questões levantadas pelo diretor, dramaturgo e pelos atores/performers. Como exemplo, um dos primeiros workshops trouxe as questões: O que você artista levaria com você caso fosse expulso de sua terra? E, quem e o que você desenterraria (personagem)?

Saídas para a rua

Depois de um tempo trabalhando unicamente dentro de sala surgiu a necessidade de experimentarmos nossas improvisações na rua. Nossa primeira saída aconteceu de improviso a partir do estímulo de “fuga” – fugir da sala, fugir da policia, fazer uma “teresa”, fugir de onde pra onde?, pegar carona para voltar. Depois outras saídas foram feitas com o objetivo de pesquisar, a partir dos estímulos dos Viewpoints, possibilidades de relacionamento e deslocamento pela cidade.

Intercâmbios e Diálogos

Durante essa primeira fase de nosso processo de criação e levantamento de materiais tivemos duas importantes visitas para o desenvolvimento de nosso trabalho.


A primeira delas foi do grupo gaúcho Tribo de atuadores Ói nóis aqui traveiz com o projeto de circulação do espetáculo “O Amargo Santo da Purificação”, cujo CTM foi parceiro na produção local. Com a presença deste importante grupo de teatro de rua do Brasil foi-nos possível a troca e intercâmbio de práticas e idéias por meio do workshop de teatro de rua ministrado por Paulo Flores e Tânia Farias, da palestra “Ói nóis aqui traveiz, 32 anos: o teatro de rua no Brasil” também apresentada pelos dois, e do trabalho prático com os atores da Tribo dentro de um dos encontros do CTM.


A segunda visita foi de Donnie Mather, um dos atores do grupo nova-iorquino SITI Company dirigido por Anne Bogart que sistematizou o método dos Viewpoints para a criação em teatro. Sua visita a Uberlândia foi possível por meio da parceria entre o CTM e o projeto Culturarte promovido pela Diretoria de Culturas da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) no qual ministrou a oficina “Suzuki e Viewpoints”.

ps: como não tenho foto da oficina do Donnie insiro do boteco mesmo! rs

Ficha técnica

Elenco: Adriana Moreira, Afonso Mansueto, Camila Tiago, Lucas Dilan, Marcella Prado, Priscilla Bello, Samuel Giacomelli
Direção: Narciso Telles Assistência de Direção: Getúlio Gois
Dramaturgia: Luis Carlos Leite Apoio Técnico: Marina Ferreira
Produção: Adriana Moreira, Priscilla Bello e Samuel Giacomelli
Figurino: Coletivo Teatro da Margem
Cenário: Coletivo Teatro da Margem
Direção e preparação musical: Guilherme Calegari

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